(Foto: Jack Guez/AFP)
Que tal falar sobre um assunto que ninguém gosta? Por que não explorar a fundo alguns traumas do passado? Vamos falar sobre as eliminações da seleção brasileira.
A gente acabou de passar por uma eliminação bem traumática na última Copa. Primeiro por termos caído diante de uma seleção com uma camisa de bem menos tradição. Fato que todas as seleções têm menos tradição do que a nossa, mas pela segunda vez consecutiva fomos eliminados por uma equipe sem nenhuma estrela em seu escudo. Também foi uma eliminação bem dolorida por ter vindo depois de um ciclo praticamente irretocável, o que criou grandes expectativas para o mundial. E por último, por ter sido um jogo com roteiro bem dramático, se extendendo até os pênaltis, e com o gol do empate saindo aos onze minutos do segundo tempo da prorrogação.
Mas hoje o objetivo é refletir sobre as últimas eliminações. O que será que estamos fazendo de errado desde o Penta? Com isso em mente, aqui vai o Ranking com todas as eliminações do Brasil na Copa do Mundo desde 2002.
Importante: Neste ranking, será levado em conta apenas a performance da seleção brasileira na partida de eliminação. A lista não é baseada no sentimento que a eliminação despertou no torcedor, até porque isso é bem subjetivo. A quinta posição é a partida que o Brasil jogou melhor, e a primeira (que você sabe qual é) é a partida de pior atuação
5- Brasil 1 X 2 Holanda I Copa do Mundo de 2010
(Foto: Valterci Santos)
O ciclo pré-copa de 2010 foi provavelmente o mais criticado da seleção brasileira nos últimos tempos, e há algumas explicações para isso. Primeiro pois a figura do Dunga sempre gerou muita antipatia. Sua relação com a imprensa era conturbada desde os tempos de jogador, e durante sua gestão na seleção ele abria pouco espaço para cobertura da mídia, além de respostas ásperas em coletivas serem algo frequente. E isso se soma ao fato de que a equipe tinha uma proposta de jogo que não agradava boa parte do torcedor brasileiro. O Brasil não tinha um futebol muito vistoso e não teve exibições memoráveis durante o ciclo. DIto isso, pouco se dava crédito à equipe que disputou a Copa de 2010 por ser um time bem organizado, no geral muito eficiente e extremamente competitivo.
Falando sobre o jogo da eliminação, futebol não é sobre merecimento, mas analisando friamente a partida, é difícil dizer que o Brasil mereceu a derrota. No primeiro tempo vimos os melhores 45 minutos do Brasil na Copa do Mundo. Aos oito minutos do primeiro tempo, um gol do Robinho foi bem anulado por impedimento de Daniel Alves na origem da jogada. E dois minutos depois, Robinho abriu o placar após assistência primorosa de Felipe Melo. Mesmo em vantagem no placar, o Brasil continuou atacando e dominando as ações da partida. Ainda na primeira etapa, a seleção criou pelo menos três chances claras de gol, com direito a uma defesa milagrosa do goleiro Stekelenburg em finalização do Kaká, e um pênalti escandaloso não marcado aos 25 minutos de jogo.
A vantagem de um gol foi bem modesta para o que foi o primeiro tempo. Mas logo no início do tempo complementar, a Holanda chega ao empate em uma falha do Júlio César, que vivia o melhor momento de sua carreira. Mas mesmo com o gol sofrido, o Brasil continuava sem sofrer grandes riscos, até que em uma jogada de escanteio, Sneijder de 1,70m fez o primeiro gol de cabeça da sua carreira, que sacramentou a eliminação da seleção brasileira. A partir daí, o time corria contra o tempo, o que ficou ainda mais difícil com a expulsão de Felipe Melo aos 28 minutos da segunda etapa.
Fomos punidos pela falta de efetividade, algo que não era comum na passagem de Dunga pela seleção. O Brasil merecia ter aberto uma vantagem maior no primeiro tempo pelo tanto que produziu. Mas dois erros no segundo tempo custaram a classificação.
4- Brasil 1 x 2 Bélgica I Copa do Mundo 2018
(Foto: Emmanuel Dunand/AFP)
É difícil escolher entre essa e a próxima, pois elas têm roteiros até que bem parecidos. O que pesa na hora de considerar a performance nessa eliminação superior à do próximo item da lista é a qualidade técnica que tínhamos do outro lado. Principalmente embaixo das traves. Ao contrário de 2010, o Brasil entrou muito mal na partida.
O sistema defensivo da seleção não conseguia dar conta de De Bruyne e Lukaku, e permitiu que a Bélgica fosse bem superior no começo da partida. Aos 31 minutos, já perdíamos por 2x0. O primeiro gol vindo de uma infelicidade tremenda de Fernandinho em um escanteio, e o segundo em um contra-ataque belga que culminou em um chute indefensável, e eu repito: indefensável de Kevin De Bruyne. A partir daí, Tite adotou uma marcação individual, com Miranda marcando Lukaku, e indo muito bem na função. E isso fez com que o Brasil crescesse no jogo, mas infelizmente, já era tarde demais.
O Brasil cresceu bastante no segundo tempo, as substituições surtiram efeito, principalmente com as entradas de Douglas Costa e Renato Augusto, e a seleção conseguiu criar algumas boas chances de empatar mas parou em uma partida excepcional do goleiro Thibaut Courtois. E não podemos nos esquecer da bola no travessão do Thiago Silva bem no começo, aos oito minutos do primeiro tempo, e um pênalti claro em cima de Gabriel Jesus no início da segunda etapa, e que o árbitro de vídeo sequer recomendou a revisão.
O que pouco se fala sobre essa eliminação é que foi um jogaço. A partida foi disputada em altíssimo nível técnico, com ótimas atuações dos dois lados. Mas não era nosso dia. Era dia da "Geração Belga" conseguir o maior feito esportivo da história do país.
3- Brasil (2) 1 x 1 (4) Croácia I Copa do Mundo 2022
(Foto: Matthew Childs/Reuters)
Faltavam quatro minutos. O trabalho que foi feito na seleção nos seis anos que antecederam a Copa de 2022 merecia culminar em título. Mas como já dito, futebol não é merecimento, e o ponto aqui é analisar o jogo. É difícil colocar toda uma eliminação de Copa do Mundo na conta do azar. Mas também não dá pra negar que ele exista. A Croácia tem todos os méritos em ter feito um ótimo primeiro tempo. Todos sabiam que a seleção brasileira era perigosíssima tendo a bola nos pés, e a Croácia foi a única seleção do mundial que conseguiu tirar a bola do Brasil, tendo 51% de posse de bola. Mas ainda assim, em 120 minutos de futebol, eles só deram um chute no gol. Chute esse que ainda desvia no Marquinhos, antes de morrer no canto direito do Alisson.
A estatística de gols esperados (xG) é um cálculo de quantos gols um time deveria ter marcado com base no número e na qualidade das finalizações realizadas. De acordo com o Sofascore, o xG de Brasil x Croácia terminou em 2,55 para a seleção brasileira contra 0,63 dos croatas. Ainda assim, a partida terminou 1x1.
Na primeira etapa, o Brasil teve muita dificuldade de pressionar a saída de bola da Croácia, com a marcação desajustada deixando espaço para escapadas do lateral Juranovic pelo lado direito, e permitindo que os croatas equilibrassem bastante o jogo no meio-campo. Mas a partir do segundo tempo o jogo foi completamente diferente. O Brasil tinha controle do jogo e criava chances constantemente, mas a bola simplesmente se recusava a entrar. Ainda que não tenha sido uma atuação tão brilhante quanto a do Courtois, o goleiro Livakovic fez uma partida excelente. No final do primeiro tempo da prorrogação, o Brasil finalmente conseguiu abrir o placar, com um golaço do Neymar. E pra chegar a semifinal, bastava que o sistema defensivo que sofria, em média, um gol a cada três partidas, conseguisse se segurar por 15 minutos. Mas aos onze do segundo tempo da prorrogação, em uma sequência de erros individuais da equipe, Petkovic marcou o gol de empate, que levou a partida para os pênaltis.
O Brasil tem culpa na eliminação. Faltou efetividade e demos chance para o azar. Mas se a mesma partida fosse jogada 100 vezes, a Croácia só passaria aquela vez.
2- Brasil 0 x 1 França I Copa do Mundo 2006
(Foto: Getty Images)
A eliminação de 2006 estar na segunda posição pode gerar espanto, afinal é uma seleção bem mais tradicional do que as outras que apareceram até aqui. E convenhamos: o Brasil é freguês da França. Infelizmente, essa é a verdade. Agora, o ponto aqui é analisar o desempenho no jogo da eliminação, e o peso da camisa adversária é a única coisa que joga a favor desta partida. Em todos os itens até aqui o denominador comum foi a falta de efetividade, foram jogos em que o Brasil criou diversas chances, mas não conseguiu converter sua produção ofensiva em gols. Nas quartas-de-final da Copa de 2006, a seleção brasileira não produziu absolutamente nada, e isso não é um exagero.
Também não é o caso de uma grande partida da equipe adversária. A França também começa a partida com bastante dificuldade de criar jogadas, tentando muitas vezes "quebrar" a bola direto no Henry, que não conseguia ganhar de Lúcio e Juan no jogo aéreo. Mas lá pro meio do primeiro tempo, o Zidane recua um pouquinho mais pra buscar jogo, e ali ele toma o controle da partida pra si. Foi uma das grandes atuações individuais da história das Copas. Agora, por mais genial, por mais refinado, por mais classudo que fosse o Zizou, uma grande atuação individual não pode ser o suficiente para eliminar o Brasil de uma Copa. Mas foi.
O gol sai de uma desatenção na bola parada, quando o Henry finaliza sozinho aos doze minutos do segundo tempo. E em nenhum momento, durante toda a partida, a seleção brasileira fez parecer que se classificaria. Em toda a partida, o Brasil finalizou no gol apenas uma vez, e foi aos 46 do segundo tempo, chute do Ronaldo de fora da área, que foi defendido com tranquilidade. Durante todo o resto da partida, Barthez foi um mero espectador.
A análise da seleção de 2006 costuma ser muito rodeada de saudosismo, mas o fato é que na Copa do Mundo a equipe nunca produziu o esperado, principalmente com o "quadrado mágico" em campo. Tanto que o quarteto foi desfeito durante a competição, contra a França o Juninho Pernambucano foi titular no lugar do Adriano. Ainda assim, o meio-campo inexistiu naquela partida. O que se viu foi um jogador genial, sabendo aproveitar toda a inconsistência tática da seleção brasileira naquela Copa.
1- Brasil 1 x 7 Alemanha I Copa do Mundo 2014
(Foto: Reuters)
É claro, né? Não tem outra opção. Não tem discussão. A lista é só sobre este século, mas o 7x1 é a pior eliminação da seleção brasileira na história. Por todo o contexto de jogar a Copa de 2014 em casa, com a missão de vingar o pseudovexame do "Maracanaço", ocorrido 64 anos antes, uma eliminação seria muito complicada, independente de como ela viesse. O Brasil não estava preparado para sofrer mais uma eliminação em casa. Mas os seis gols de diferença foram o requinte de crueldade que ninguém esperava.
Tentar entender o 7x1 é buscar uma explicação para o inexplicável, mas foram criadas algumas lendas a respeito do resultado. A primeira é a de que o resultado mostrava a real diferença entre Brasil e Alemanha naquela ocasião, o que não é verdade. É fato que a Alemanha era mais time, e tinha um trabalho bem mais consolidado em andamento. Mas por mais que tivesse problemas, a seleção brasileira tinha um bom elenco, como o Brasil tem invariavelmente, mas tinha um time que teria condições de competir com a Alemanha, por mais que coletivamente fosse inferior.
A explicação não está apenas nos aspectos táticos da partida, em que a Alemanha foi infinitamente superior, mas também têm muitos aspectos emocionais. O Brasil estava sem seu capitão e mais talentoso zagueiro, suspenso por ter tomado o segundo cartão amarelo. E tinha perdido seu principal jogador e referência técnica com uma lesão grave no jogo anterior.
O Brasil até começa bem a partida, mas aos onze minutos, em uma jogada de escanteio, a Alemanha abre o placar, a seleção brasileira desaba emocionalmente, e é a partir daí que os alemães constroem o resultado. O Brasil não sabia o que fazer e como reagir a cada vez que "lá vinham eles de novo". O resultado deixou uma marca que não vai se apagar, na história da seleção e na carreira de todos os jogadores do elenco. E por mais dolorido que seja, o 7x1 é algo que deve ser lembrado para sempre, para que algo assim não se repita nunca mais.
E pra finalizar, peço desculpas pelas lembranças ruins.