(Foto: Divulgação / Al-Hilal)
Neymar Jr. é jogador do Al-Hilal. O clube saudita anunciou a contratação no início da tarde de hoje. A partir de agora a gente sai do campo da especulação, esta é a realidade, e não há nada que possamos fazer a respeito. Ou melhor, não há nada que possamos fazer para mudar a situação. Então o que nos resta? Agora cabe a nós interpretar o que isso representa para o futebol brasileiro, e principalmente, para a seleção brasileira.
Antes de mais nada, não podemos olhar para esta transferência como uma desistência do futebol de alto nível ou até mesmo como um final de carreira. Neymar assinou com o clube por duas temporadas, e hoje ele tem 31 anos. Foi-se o tempo em que jogadores que passavam dos 30 anos já eram considerados "velhos" para o futebol e começavam a pensar em sua aposentadoria. Se olharmos para o prêmio Ballon d'Or (a Bola de Ouro) ou o prêmio FIFA The Best, 2015 foi a última vez que o vencedor tinha menos de 30 anos, quando Lionel Messi foi eleito o melhor jogador da temporada aos 28. Desde então, todos os vencedores de ambas as premiações já tinham completado três décadas de vida.
Além disso, a visão de que o Neymar escolheu ir para a Arábia Saudita pelo dinheiro é imprecisa. Segundo Marcelo Bechler da TNT Sports Brasil, o jogador aceitaria uma drástica redução salarial e abriria mão de dinheiro em uma rescisão de contrato com o Paris Saint-Germain para voltar para o Barcelona. O PSG não quis. A escolha era entre ir para o Al-Hilal, ou permanecer em Paris, correndo o risco de ficar pelo menos seis meses afastado, já que estava fora dos planos do clube. Isto não é uma defesa do jogador, é apenas a informação correta.
Agora, o que nos interessa é pensar na seleção brasileira. Muitos defendem que uma transferência ao futebol árabe significa abrir mão de continuar atuando pela seleção, principalmente já visando Copa do Mundo. Esse pode ser o caso para a maioria dos jogadores, mas não serve pro Neymar. Não por favoritismo, mas por termos técnicos.
Não é como se mudar para o futebol árabe magicamente sugasse todo o talento de um jogador como no filme "Space Jam", a principal questão é estar atuando em uma liga bem menos competitiva. Não só em relação a Europa, mas também em relação ao campeonato brasileiro. Na liga saudita, mesmo os melhores jogadores, e nesta temporada teremos muitos jogadores de altíssimo nível em atividade por lá, não são obrigados a dar o seu máximo diariamente. Essa baixa exigência faz com que eles cheguem na seleção em uma rotação diferente dos demais. Então, vamos pegar alguém como o Roberto Firmino, por exemplo. Na posição dele, ele terá que disputar com Gabriel Jesus, Richarlison, que mesmo não vivendo grande fase segue atuando na liga mais competitiva do mundo, temos Endrick e Vitor Roque que já no ano que vem estarão disputando o campeonato espanhol e possivelmente a Champions League, e até mesmo Tiquinho Soares que vem tendo um desempenho fantástico no Brasileirão. Portanto, é muito difícil pensar que o Firmino consiga brigar por posição, a partir do momento que ele já larga dois passos atrás.
Não é o caso do Neymar. A gente está falando de um jogador que consegue exercer praticamente qualquer função do meio-campo em diante, e que é extremamente acima da média com a bola nos pés. O Brasil é muito bem servido de atacantes, mas não temos jogadores o suficiente para tirar Neymar do radar da seleção brasileira, principalmente levando em conta que ele é a referência e principal jogador do time há mais de dez anos. Sexta-feira tem convocação, a primeira de Fernando Diniz a frente da amarelinha, e eu não vejo qualquer justificativa para que ele não seja convocado. Principalmente levando em conta que ele ainda sequer atuou pelo campeonato saudita.
A questão é: esta mudança para a Arábia Saudita tem alguma interferência na relação Neymar/seleção brasileira? Sim! Ele não será escanteado de uma hora para outra, mas ele precisará passar por um processo que ele nunca passou: Testes.
(Foto: Getty Images)
Neymar nunca foi testado na seleção brasileira. Ele foi convocado pela primeira vez aos 18 anos de idade, não para ser parte de um elenco, mas para ser o "salvador da pátria". Pra resgatar o DNA do futebol brasileiro, que unia perfeitamente o resultado e a plasticidade, e isso tudo para ser campeão da Copa do Mundo. Você pode até ter se decepcionado com o que ele fez com a seleção brasileira até aqui, mas essa decepção é baseada nas suas expectativas, e não no que ele apresentou em campo. Existem inúmeras críticas que podem ser feitas ao nosso camisa 10, mas dizer que em qualquer momento ele deixou a desejar no quesito campo e bola, não é verdade.
Os últimos anos da carreira dele foram muito comprometidos por lesões, mas sempre, e eu repito, sempre que o Neymar esteve em campo, seja por clubes ou pela seleção ele desempenhou que se espera dele. Ele igualou e certamente passará a marca de Pelé em gols com a amarelinha, e foi decisivo em diversos momentos. Mesmo em Copas do Mundo, nas três em que disputou ele sofreu com problemas físicos e ainda sim tem onze participações em gol em treze partidas. A ausência de competitividade do campeonato saudita pode acabar interferindo no desempenho dele, mas a única maneira de saber é testando.
Acho muito difícil que em algum momento ele fique fora de forma, porque por mais que a exigência seja menor por lá, ele sempre se preparou fisicamente por conta própria, desde os tempos de Santos, e quem disse isso foi o técnico Muricy Ramalho, e ele já manifestou seu desejo de disputar mais uma Copa, então é improvável que ele negligencie a parte física. E na Arábia Saudita, a tendência é que o número de lesões diminua. Afinal, o campeonato francês tem uma marcação muito contundente que foi responsável pela grande maioria das suas lesões. Segundo o Transfermarkt, durante toda sua passagem pelo Paris Saint-Germain, o jogador passou 699 dias afastado por lesão, o que é um número bem alto, mas apenas em 179 destes dias ele esteve afastado por problemas musculares. Todos os outros foram por lesões traumáticas, ou seja, pancadas.
Estando bem fisicamente, o único fator que pode ser preocupante é a questão da competitividade. E dá pra ver que ele próprio tem essa preocupação. Não é a toa que seu contrato é de dois anos, portanto se encerra exatamente uma temporada antes da Copa. Provavelmente, o plano dele é se transferir para uma liga mais competitiva para ter um melhor ritmo no próximo mundial. E é loucura pensar que aos 33 anos ele não consiga se transferir para um time europeu, mesmo que seja uma equipe de menor expressão, se fizer um contrato por valores menores. E mesmo que isso não aconteça no velho continente, o Brasil pode recebê-lo de braços abertos.
Existe a possibilidade de extensão de contrato por mais um ano pelo Al-Hilal, e mesmo que esta seja a opção menos provável, não podemos descartá-la. Não seria a decisão mais sábia, mas ela deve ser considerada. Dito isso, se ele estiver em boas condições físicas e for mostrado que o ritmo de jogo é adequado, o que impede a seleção brasileira de ter um jogador do campeonato saudita atuando pelo Brasil em uma Copa do Mundo? O único possível empecilho é o orgulho do torcedor brasileiro, que sempre é muito inflado.
Quantas vezes já não ouvimos que o "futebol brasileiro estava acabado"? Ou que "ninguém mais respeita a seleção brasileira"? Todas as gerações já ouviram isso em algum momento. E é questão de opinião, não há muito a se fazer... Mas é importante esclarecer que não seria algo totalmente sem precedentes. Ter um jogador do Al-Hilal jogando uma Copa com a nossa camisa não significaria a decadência do futebol brasileiro, afinal, em 1998 a seleção brasileira foi finalista do mundial com o seu capitão atuando pela J-League, o campeonato japonês, e não é como se ele tivesse acabado de chegar lá. Dunga chegou no Júbilo Iwata em 1995 e permaneceu no clube por três temporadas. Não tem como dizer que isso prejudicou de alguma forma o seu desempenho durante o torneio, muito menos que isso representou "o fim do futebol brasileiro" já que o time foi campeão mundial quatro anos depois.
Em suma, ver o principal jogador brasileiro desta geração atuando na Arábia Saudita aos 31 anos de idade é decepcionante, ponto. E ele próprio se colocou nesta situação ao estender seu contrato com o PSG até 2027, pois isso fez com que ele ficasse nas mãos do clube parisiense. Entretanto, isso não representa final de carreira, isso não tira automaticamente sua vaga na seleção brasileira, e isso não diz nada sobre o que é o futebol brasileiro. Pela primeira vez em sua carreira, não sabemos o que esperar do Neymar, não sabemos até que ponto atuar em uma liga muito menos competitiva terá interferência no seu desempenho em campo, não podemos afirmar nada a respeito. Só nos resta esperar e observar se ele consegue continuar desempenhando acima da média dentro de campo como ele fez durante toda sua carreira. Temos que ignorar opiniões pessoais e vaidades e pensar no que é melhor para a seleção. Se ele conseguir ser o Neymar que ele é há treze anos, ou pelo menos chegar perto disso, ele continuará tendo espaço para brilhar com a seleção brasileira.